sábado, 12 de setembro de 2009

Eu vou saber (conto)

Ela contrariava expectativas e enfurecia observadores. Ela esfriava o sol e desencantava as fadas. Era o desespero inquieto, preso, fundo, raramente ameaçado. Ela brincava consciente no abismo da insanidade; desafiando o preâmbulo de sua própria história, que até então não fora mais que planos esquecidos, reduzidos pouco a pouco a um nível insignificante, quase cômico.

Impaciente, ofendida, ofensiva, nada a fazia luzir senão suas próprias ideias. As mesmas que a torturavam homeopaticamente, sem pudor, nem piedade. Pensar era difícil; não pensar era impossível. E saber tornava-se uma odisseia tanto horrenda quanto viciante. Tal como uma droga, destruía corpo e alma; atacava esperanças, desfazia crenças, dilacerava sonhos...

Ela não conhecia os monstros que enfrentaria quando deu o primeiro passo; e não houve escolha. Embora não tivesse feito diferente caso houvesse. Porque não temia a dor; sugava tudo o que lhe fosse aproveitável. Não há como expurgar ou paralisar esse processo, nem as conclusões geradas por ele. O caminho percorrido se fecha e a única opção é continuar em frente, lá para onde a luz é mais forte, lá para onde os obstáculos são mais nítidos.

Quem foi que ditou que é preciso ser alegre para ser feliz? Ela não era alegre, ela não era triste, ela não era poetisa. Ela era só realista.

Mas numa noite daquelas, das quais não se espera nada, igual a todas as outras tediosamente miseráveis, alguém a fez - por raros e deliciosos segundos - parar de pensar. A voz baixa, o olhar enigmático, a retórica firme que denunciava uma alma encantadoramente complexa. Era Ele.

Extasiada, Ela acompanhou e dissecou cada passo, cada gesto, cada teoria impactante que abundava naquela mente jovem e já tão tristemente iluminada. Passado o vazio anestésico que a tomou num primeiro momento, as ideias retornaram ainda mais velozes e impiedosas.

Seria Ele uma versão masculina de sua odiosa existência? Ela não tardou a descobrir que não, nem tanto. Categoricamente orgulhoso e, ainda assim, um tanto (muito bem disfarçado) inseguro; discreto, mas possuidor de charme e carisma que não o permitiam passar despercebido; Ele disparava respostas e argumentos carregados de um sarcasmo polido, que estranhamente não era encarado como deboche. Não pelos outros.

Ela era tudo isso, mas nunca ultrapassara a linha tênue que separa orgulho e arrogância. Ele era veladamente arrogante. Mas não houve julgamento, Ela sabia bem da dificuldade de ter que lidar - pacientemente - com pessoas que não questionam, simplesmente acreditam. E, principalmente, da dificuldade de lidar com o próprio ego nessas situações.

Em poucas horas, ouvindo seu discurso, percebendo seus trejeitos, Ela já sabia quem Ele era. E talvez ninguém mais soubesse. Sentiu uma imensa e perturbadora vontade de abordá-lo, de definí-lo, de confrontá-lo. Mas, ao mesmo tempo, surgiu um medo mais forte que tudo isso, mais forte que qualquer segurança, convicção ou desejo. Aquela covardia não combinava com quem tanto já tinha sofrido, quem tanto já tinha alcançado.

Pela primeira vez alguém avassaladoramente a intimidava. Sempre teve resposta para tudo, para o mais absurdo, mas se com Ele perdesse a eloquência tão admirada por quem a rodeava, perderia também sua atenção e a possibilidade de mostrar tamanha similaridade. Diante desse conflito, ali parada, Ela se perguntava incrédula da resposta que viria em seguida: por que tanta preocupação com a opinião dele? Por que esvaíam-se as forças diante da possibilidade de ser subestimada por Ele?

Era óbvio; óbvio e incompreensível demais. Uma imensa e irremediável paixão a tomava. O amor à primeira vista, que a vida inteira foi ridicularizado e inacreditado por Ela, estava ali acelerando o coração, fazendo suar as mãos, tremer as pernas, embaralhar a cabeça. Ela de repente estava tão humana. E Ele, por isso, tão distante.

O nó na garganta apertava ferindo seu orgulho. E isto Ela não permitiria. Ao fim do discurso, quando todos íam atraídos como ímãs em direção a Ele, tomou a direção contrária. Cabeça baixa, respiração alterada, sabia que jamais se perdoaria por tamanha covardia. Antes que chegasse à porta, entretanto, parou. Dedos frios tocaram levemente sua mão, que num rápido reflexo se fechou impedindo maior contato. Ela nem precisava ver para saber quem era.

Virou-se de cabeça erguida, encenando sua própria personagem, mas não disse nada. Ele sim.

-- Eu conheço você. Não conheço?
-- Não posso saber quem você conhece. Mas não creio que me conheça, já que eu não o conheço -- Ela disparou, provocando risinhos nos fãs que aguardavam.

Olhos nos olhos sem hesitar. Travaram um duelo silencioso por alguns segundos tentando desvendar o que estava acontecendo ali. Mas não, nem as almas privilegiadas e massacradas por carregar as verdades do mundo explicariam aquilo.

-- Tenho uma coisa para você. Vem comigo? -- Ele estendeu a mão e a puxou sem esperar resposta.

Ela novamente parou de pensar, mas não de sentir. Enquanto andava pelos corredores, guiada por Ele, guardava seu cheiro, a textura e temperatura de cada célula da mão que tocava a sua, o olhar de lado que de tempos em tempos conferia suas feições, o meio sorriso que saía em resposta ao que Ele via.

Chegando ao destino Ele puxou duas cadeiras e pediu que Ela sentasse. Em seguida pegou um violão.

-- O que eu tenho para você é uma música.

Começou a tocar - e como tocava maravilhosamente! - a canção mais doce que Ela ouvira. Não cantou, era apenas o violão. E bastava. Ele havia percebido o poder da arte para manter a mente sã; Ela o admirou por isso.

-- O que achou? -- Perguntou, despertando-a.
-- Cada nota pareceu preencher os vazios de uma vida inteira de angústias -- Ela disse. -- Mas por que? Por que eu, por que me trouxe aqui? -- Emendou.

Ele olhou fundo nos olhos dela, correu a mão por seus cabelos e sorriu.

-- Eu não vou explicar. Pela primeira vez, nem saberia. Mas sei que não vai precisar mais que o nome dessa música para que entenda.

E ela ouviu, finalmente feliz, boba e realizada, como qualquer pessoa comum e apaixonada, que o nome daquela música composta havia anos por Ele era: "Quando você chegar eu vou saber".



quinta-feira, 3 de setembro de 2009

De volta ao maternal

A Para agradar os preguiçosos, resolvi mudar
Diminuí o texto, para não cansar

E Escreveria sobre a vida, como a vida deve ser
Mas com tão poucos caracteres, não daria pra entender

I Videogame e futebol sei que iam persuadir
Mas são temas tão banais, que eu no meio ia dormir

O Se não tem do que falar, a saída é o amor
Ôh palavra tão gracinha, rima até com isopor

U Mas, pior que escrever pouco, é achar final com "ur"
Acho que vou poupar o "r", e te mandar tomar...

malibu.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pseudobesteirol

"Não pode dar ouvidos a qualquer idiota"
"Ele não é um idiota. É o ganhador do prêmio nacional de melhor livro do ano"
"Então vingue-se da melhor forma. Escreva uma letra de sucesso"
"Francamente, não acho que uma canção POP vá impressioná-lo"
"Ah, claro que não. Música POP é para imbecis. Eu esqueci..."
"Não quis ofender"
"...para retardados mentais ou drogados. Quer saber o que eu diria para você e o Sr. escritor? Podem pegar todos os romances do mundo que nenhum dará prazer maior e mais instantâneo do que ouvir: 'I got sunshine, on a cloudy day. When it's cold outside, I got the month of May'. Isso é poesia. Esses são os verdadeiros poetas"


O motivo para transcrever o diálogo entre Drew Barrymore e Hugh Grant no filme Letra e Música é simples: concordo com ele. Simples, aliás, é a palavra-chave deste post. Não digo que histórias complexas não tenham seu encanto e importância indiscutíveis. Mas duvido que você recorra a Freud quando está chateado ou decepcionado por algum problema; ou mesmo quando bastariam umas risadas para deixar o dia mais leve.

Eu recorro ao besteirol - que aqui só classifico assim para que o gênero seja facilmente reconhecido - e não me sinto menos inteligente por isso. São os filmes e músicas considerados "água com açúcar" que amenizam o sofrimento; que provocam risadas num momento que combinaria mais com lágrimas; que ajudam a enxergar que as mazelas talvez não sejam tão assustadoras assim; e que trazem esperança na busca por seu próprio final feliz.

Ok, não acredito nesse lance de final feliz. Mas acredito nas voltas que a vida dá (clichê em homenagem ao simples) e nas grandes surpresas que surgem delas. E quer mais incentivo para reviravoltas que histórias - e aí incluo livros também - que façam sorrir, que façam sonhar?

O fato é que tem sempre aquele pseudo-intelectual que leva tudo a sério demais para admitir, ou mesmo conhecer, o fabuloso "água com açúcar". Essa figura limitada - e geralmente bem insegura - torce o nariz para qualquer coisa que não seja considerada incrivelmente cult. Ôh gente mala! É o medo de ser mal visto; de parecer menos interessante; e de ser julgado, que o faz - veja só! - julgar. Porque a pessoa que realmente não gosta se contenta em dizer isso; não emenda em caras feias e críticas sem fim (nem fundamento).

Ah, tem também o quesito 'antiguidade'. Ninguém tem o direito de gostar mais de um artista com cinco anos de carreira do que de um que morreu há décadas. Blasfêmia. É obrigação admirar uma lista de artistas do início do século passado se não quiser carregar o rótulo de alienado. Conhecer é sempre válido, gostar e tomar como ídolo é opção. Aí é que entra a tolerância.

Não pense que exagero, já presenciei discussões fervorosas nessa linha. Fora incontáveis comentários preconceituosos, sarcásticos e carregados de ignorância voluntária. Tudo tão forçado, tão mascarado. Um monte de gente que estuda para ser cult, sem sequer questionar se realmente gosta daquilo. Todos os indivíduos têm livre-arbítrio, podem ser o que bem entenderem, inclusive tudo ao mesmo tempo. Por que limitar?



"If it makes you happy, it can´t be that bad!"